Os investigadores concluíam que quem estivesse vacinado e simultaneamente infectado pela COVID, teriam adquirido uma superimunidade.
Por outro lado, tornava-se cada vez mais claro que haveria uma faixa da população mundial que nunca haveria de ser infectada por aquele vírus, devido ao seu próprio sistema imunitário.
Não queria dizer que fossem totalmente imunes ao vírus, mas apenas que seria menos provável serem contagiados. Os infectados também seriam capazes de gerar anticorpos contra o coronavírus para o resto das suas vidas.
Lá em casa tinham sido resistentes ao vírus até aquele momento. Porque cumpriam as regras de higiene e de protecção facial com a máscara, sempre que percorriam espaços mais movimentados.
No entanto o vírus introduziu-se no lar, tal como o cavalo de Troia, construído pelos gregos, havia sido introduzido no interior das muralhas do inimigo.
(continua…)
fonte:
https://tinta-permanente.blogspot.com/virus-covid-omicron-entrou-em-casa
Category Archives: short story
Cadela Aurora
Naquele dia o sol estava brilhante e algo quente considerando a época tendencialmente fria do ano. Depois das primeiras tarefas rotineiras da manhã, foi visitar a sua querida mãe, que estava temporariamente alojada em casa da sua irmã junto ao mar.
A perda da sua avó, apesar da idade avançada e mesmo sabendo que vida tem um fim, deixou a todos um sentimento de perda sem retorno. Desde a perda do seu pai, ele percebeu que para além da dor inefável de ver alguém partir, sairia sempre uma reflexão, uma lição para que o tempo passado neste mundo pudesse ser vivido de uma forma mais intensa e mais genuína.
De que serve afinal ter saúde e dinheiro se não houver tempo para viver a vida?
Tempo, o valor intangível que não pode ser contabilizado. Tempo, o valor que ainda não pode ser comprado.
A sua mãe já o esperava na rua, quando ele ser aproximou da casa à beira-mar. Ela contou que a cadela Aurora lhe foi entregar a trela quando se apercebeu que ela ia sair. Aurora vivia praticamente no perímetro da casa e era raro sair. Aurora ficava sempre tensa e ladrava imenso que ele se aproximava do portão. Ele sugeriu que era melhor levar a cadela a dar um passeio à beira-mar, apesar dela sentir receio de desconhecidos.
Ele também não se sentia confortável com o ladrar nervoso daquela cadela, tornando quase insuportável visitar a sua irmã naquela casa junto ao mar. A sua mãe foi buscar a trela e ele pediu para enfiar no pescoço, pois não queria arriscar uma mordidela de uma cadela com medo. Pediu também para trazer um pouco de comida, caso fosse necessário actuar em caso de emergência. Geralmente os cães são loucos por comida e abandonam qualquer tarefa a troco de alguma ração.
A tarefa de colocar a trela no pescoço da cadela Aurora revelou-se difícil para a sua mãe devido à agilidade do animal. Foram várias as tentativas até conseguir acertar com o pescoço de Aurora, depois resumiu-se a puxar suavemente a trela estranguladora até se ajustar à sua garganta. Aquilo pareceu-lhe estranho pois não estava habituado àquele tipo de trela e pareceu-lhe que o animal estaria sempre próximo de sufocar, mas durante o passeio percebeu o motivo de tal solução. Aurora era uma cadela com bastante força e não estava habituada a caminhar ao lado das pessoas, por isso a sua tendência era puxar até se engasgar.
Ele mostrou-lhe que poderia caminhar tranquilamente ao seu lado sem ter necessidade de puxar pela trela. Sempre que Aurora avançava até esticar a trela, ele estacava e obrigava a alinhar ao seu lado, demonstrando que era possível fazer aquele belo trajecto à beira-mar debaixo de um céu azul sem necessidade de ser rebocado pela patuda.
Aurora estava feliz pelo passeio mas mesmo assim caminhava de cauda baixa, talvez porque não entendesse que aquele homem que ia lá a casa pudesse algum ir passear com ela.
À medida que caminhavam pelo passadiço, crescia a vontade de soltar a cadela na areia molhada e deixá-la correr um pouco junto à água. A ração seca também haveria de ajudar em caso de necessidade extrema, pensou ele. Por fim tomaram a decisão de a soltar junta à água, mas Aurora continuava com a cauda baixa e escondia-se atrás da sua companhia para o passeio daquela manhã.
Continuaram a passear mais um pouco junto à areia molhada que proporcionava uma passada mais firme e ele decidiu aproximar-se da cadela Aurora para lhe colocar a trela. Apesar de ela continuar com a cauda baixa, pareceu-lhe não haver qualquer contrariedade em guiar novamente Aurora pela trela. Quando se aproximou dela, deu um salto para trás e fugiu para uma distância mais segura. Ele voltou a aproximar-se e ela fugiu novamente.
A sua mãe apreciava serenamente a cena enquanto as ondas do mar se espraiavam na areia e o sol continuava a brilhar. Sentiu-se um pouco cansada da caminhada apesar de estar a apreciar o passeio junto ao mar, pelo que ele indicou uns rochedos mais à frente que permitiam sentar para descansar um pouco. Por outro lado ele esperava que Aurora se aproximasse da sua mãe, com ela tinha confiança, nessa altura ele iria oferecer um pouco de guloseimas para cães para que se deixasse prender.
Estendeu-lhe a mão com um pouco de ração seca para cães que haviam trazido de casa e ela aproximou-se a medo para lhe tirar da mão aquela comida saborosa depois do passeio ao ar livre. Tentou passar-lhe a trela, mas sem sucesso, pois Aurora estava atenta a todos os movimentos que ele pudesse fazer. Experimentou passar a mão com comida por dentro do laço para que quando Aurora fosse comer, ele pudesse fechar delicadamente o laço. Ele agiu com tanto cuidado que a cadela foi mais astuta ao ponto de comer a ração e retirar o pescoço do laço. Da próxima vez, ele teria que ser mais eficaz no enlace da cadela, assim estaria preparado para que quando ela voltasse a enfiar a cabeça na armadilha de caça, ele teria que puxar sem hesitar.
Resultou o plano que ele havia delineado e Aurora pareceu não mostrar qualquer reacção, afinal iriam continuar a dar o passeio, que todos estavam a apreciar.
De regresso, a cadela Aurora mostrou um comportamento mais relaxado e um pouco mais confiante, apesar de a sua cauda continuar baixa. Soube pela sua irmã que a cadela Aurora passou o resto do dia sem ladrar, mostrando-se bastante mais relaxada que o habitual. Já nem os cães do outro lado da rua a incomodavam o suficiente para que a fizessem ladrar nem um pouco.
Ele regressou a casa depois de ter passado aquele final da manhã de céu azul, mesmo sabendo que a pandemia continuava a causar prejuízos, fechando em casa quase um milhão de portugueses. Que o nível crítico da pandemia de Covid-19 em Portugal, ameaçava a capacidade de tratamento de outras doenças.

fonte:
https://tinta-permanente.blogspot.com/2022/01/#6787706780926467695

O pássaro preto tombou ferido de morte
Depois de ter ido à rua para o passeio logo pela manhã com o seu fiel amigo e de terem passado pelos locais habituais, onde o cão não desistia de voltar a cheirar cada ponto, talvez para perceber quem por ali tinha passado, chegaram a casa e ele deixou-o ao ar livre. Subiu as escadas para desempenhar as suas tarefas rotineiras e de súbito ouviu o seu cão a ladrar muito excitado.
Foi à varanda e conseguiu perceber que o cão estava junto ao portão de entrada, mas nada via por que as trepadeiras de jasmim tapavam quase por completo o ponto onde o cão estava estacado. Ele apenas conseguia ver a sua cauda a abanar energicamente e o contínuo ladrar fora do comum. Geralmente o seu cão costuma ser praticamente mudo, à excepção quando necessita de ladrar a um gato pendurado numa árvore de pêlo arrepiado ou atirar uns gritos para o outro lado da rua, onde se encontram uns cães acorrentados à parede.
Como o cão não parava de ladrar, decidiu descer as escadas e aproximar-se do portão. À medida que caminhava na sua direcção, percebeu que o cão apontava para um ponto fixo no chão e dali não tirava os olhos.
Era um pobre pássaro de penas pretas que estava praticamente depenado e prestes a morrer. O cão olhava para ele com ar de satisfação exibindo o seu troféu de caça. Ele nada fez em relação, pois ele não iria entender patavina. É da sua natureza dar caça aos pássaros, roedores e outros rastejantes que entrassem no seu território. Também as gatas gostavam de trazer para casa todas as peças de caça conseguidas, como pequenos ratos, sardaniscas e outros.
Os seus animais gostavam de dar caça às moscas e às moscas-varejeiras, sempre que embatiam no vidro das janelas para tentar voar para o exterior.
Mas naquele momento e perante o quadro de um cão exuberante pelo seu troféu de caça e o pequeno pássaro que parecia um melro já depenado pela boca e pelas patas do cão, ele sentia-se sem saber o que fazer. Salvar o pássaro da morte certa naquela manhã fria de Janeiro, quando já apresentava pequenas feridas na zona das penas da cauda, que foram arrancadas à dentada, como? O pobre pássaro não podia voar dali para fora, pois não tinha penas suficientes. Ele quis acreditar que o pássaro estivesse doente para se deixar apanhar pelo cão, muito embora sabia que o Charlie era bastante ágil para dar um salto e abocanhar a ave.
Ele regressou à sua rotina, procurando esquecer rapidamente daquele episódio, que apesar de se encontrar dentro das leis da natureza, o incomodava.
Lembrou-se que no sábado passado viram um programa de televisão em família depois do jantar e que a sua filha se sentou ao seu lado e encostou a cabeça no seu ombro. Não era normal haver aquele tipo de cumplicidade e sentiu-se especial por isso. Nada disse, mas abraçou-a carinhosamente enquanto viam o filme. Passado uns momentos, ela adormeceu nos seus braços como um bebé. Provavelmente estaria cansada, mas sentia-se confortável nos braços do seu pai.
No dia seguinte foi correr ao final do dia como habitualmente, apesar do frio que se fazia sentir. Bastavam alguns minutos de aquecimento para esquecer aquele frio cortante e na parte final até transpirava. Surpreendentemente o seu filho perguntou se podia correr com ele. Geralmente ele não alinhava naquelas corridas com o pai. Ele respondeu afirmativamente procurando disfarçar a sua surpresa e esconder os sinais de contentamento.
Da última vez que foram correr juntos, havia sido por convite do pai e o filho foi a reboque sem vontade própria. Ele ficou triste e gostava que um dia pudessem correr juntos com vontade.
Daquela vez o filho seguia atrás do pai e em passo mais lento, até que se queixou de uma dor no tornozelo e desistiu. Passaram-se meses desde aquela tentativa de correrem juntos ao final do dia.
No Domingo passado correram cerca de seis quilómetros e na parte final o filho ganhou vantagem na rua íngreme, deixando o pai para trás. Mas ele não desistiu e procurou não perder muita distância, para poder recuperar no final da corrida. Tal não aconteceu pois já estava bastante cansado e o seu filho não dava sinais de cansaço, pelo que terminou a corrida com vantagem de 100 metros.
João Pires


Corrida à volta do estádio de futebol
quarta-feira, 12 de janeiro
No ponto de início da corrida estava um rapaz a praticar boxe provavelmente com o seu treinador bastante mais alto que lhe estendia alternadamente as palmas das mãos protegidas pelas luvas de boxe. A cada volta de corrida que ele dava ao estádio de futebol, ele via cenas soltas que duravam apenas os segundos suficientes para se cruzar com eles. O rapaz do boxe treinava com intensidade crescente até que numa das voltas ele viu o treinar a apaziguar a fúria do rapaz.
Naquele final do dia, foi levar os filhos ao ginásio que se situava nas instalações do estádio de futebol. À volta do estádio estava uma pista de atletismo que ele nunca havia explorado. Naquele dia decidiu levar equipamento para correr naquela pista enquanto os filhos treinavam no ginásio. Estava um vento gelado e decidiu ficar um pouco mais dentro do carro já depois dos seus filhos terem entrado para o treino. Procrastinou um pouco mais e quando olhou para o relógio percebeu que só tinha cerca de meia hora para correr. Enche-se de coragem, saiu do carro, despiu as calças de fato do treino e ficou em calções para correr. Tirou a camisola polar e ficou com a roupa amarela de manga curta para correr.
Num ápice fechou o carro e desatou a correr para fugir ao vento cortante. Na verdade, ele queria correr para não arrefecer. Por volta das oito horas da noite praticamente não havia ninguém à volta do estádio. Continuou a correr e cruzou-se com uma rapariga enfiada num casaco quente, com gorro enterrado na cabeça, segurando a trela do cão que seguia mais atrás, enquanto farejava pontos dispersos. Fez um pequeno desvio da pista onde corria para não colidir com o cão ou com a longa trela. Mais adiante cruzou-se com uma corredora de estatura baixa, cabelo comprido, auriculares nos ouvidos e com o telemóvel fixo no braço. Ele procurava manter um ritmo constante na passada e provavelmente as outras duas corredoras que corriam em sentido contrário ao seu também mantinham um ritmo constante, pois a cada volta se cruzavam num tempo regular. Contou as voltas ao estádio até à terceira, depois perdeu a conta porque havia sempre algo para o distrair e por outro lado aquela contagem apenas servia para incentivar a mais outra volta.
Quanto mais corria, mais leve se sentia, como se nem tocasse no chão, apenas deslizava pelo ar. Deixava-se levar pelo movimento como se não existisse a inércia do ar.
Noutro ponto da zona exterior do estádio estava um rapaz que parecia estar a filmar-se com o telemóvel imobilizado numa das portas que dava acesso ao interior do estádio. Estava a ensaiar uma dança junto ao chão, rodopiando sobre si, no entanto das vezes que o viu nunca percebeu qual seria o resultado final daquela filmagem. Provavelmente nem o rapaz teria ideia como poderia realizar aquela coreografia. O vento continuava frio mas com a corrida ele conseguia suportar aquela adversidade. Gostava de correr sozinho para ajustar ao máximo a velocidade à sua capacidade. Por vezes elevava o esforço até ao limite das suas capacidades e depois abrandava o ritmo em variações pequenas, a fim de manter a média próxima do constante.
Por fim já não conseguia encontrar mais força para dar mais uma volta ao estádio e estimou que haveria de ter completado sete voltas, mas ficou decepcionado quando consultou o relógio desportivo. Apenas havia percorrido cinco voltas ao estádio, contudo o tempo também havia diminuído para 25 minutos, o que correspondia a cinco minutos e trinta segundos por cada quilómetro percorrido. Na última volta da corrida passavam vinte e cinco minutos das oito e a rapariga do cão, a corredora mais baixa e a corredora da camisola amarela tinham desaparecido.
Dirigiu-se de imediato ao carro para secar o suor que corria pelo rosto e passar a toalha pelo cabelo molhado. Despiu a roupa molhada ficando em tronco nu, pois a rua estava deserta e a probabilidade de passar alguém a pé era reduzida. Secou o tronco suado e vestiu roupa seca, foi buscar os filhos e encaminharam-se para casa. Ele contou que daquela vez havia corrido quase cinco quilómetros, mas ficava prometido que da próxima iria superar a sua própria marca.


Flores de Inverno
O ano novo havia começado com temperaturas anormalmente altas. No primeiro dia do ano ele levou os seus filhos até à praia para surfarem nas ondas de Inverno. As ruas estavam praticamente desertas, por ser dia de feriado mais ou menos generalizado para a maioria dos trabalhadores, mas também por ser dia de descanso da noite mais prolongada do ano para festejar a passagem para 2022, ainda que em ambiente de confinamento.
As orientações do Ministério da Saúde eram algo ambíguas, pois sugeriam medidas cautelares em ambiente de rotina. A redução para 7 dias de isolamento entrou em vigor após a passagem de ano, no entanto o regresso às aulas presenciais ainda não estava totalmente definido. Só após o 7 dia é que as pessoas poderiam regressar à vida normal. Alguns países já haviam reduzido o período de isolamento para apenas 5 dias, no entanto o Ministério da Saúde entendia que o período de 7 dias era mais prudente para libertar as pessoas com maior prudência. Também era solicitado aos pais que levassem os seus filhos à vacina, porém seria garantido que as crianças não vacinadas não seriam discriminadas.
As flores estavam a nascer em pleno Janeiro, contudo não era garantido que resistissem aos dias mais frios.
No Domingo passado foram dar o passeio habitual com o cão. Daquela vez haviam decidido subir até ao monte mesmo ali perto de casa. O cão estava radiante porque seguia ao lado dos donos, para onde quer que eles fossem, pelo que bastaria acompanhá-los de forma incondicional. Estava uma manhã algo quente para a época do ano. O sol de Inverno brilhava e aquecia um pouco já próximo do meio-dia.
Os caminhos em direcção à ermida apresentavam um musgo verde vivo, próprio da época. Não havia mais ninguém a passear por ali. Estava uma luz fantástica para fazer fotos. Ele tinha levado um bastão para fazer auto-retratos criativos. Girava sobre si à procura da luz ideal e do fundo, ora com musgo verde, ora com folhas secas caídas. Ela não quis tirar fotos pois não tinha penteado o seu cabelo. Só poderia fazer fotos em condições ideais. Ele achava que a luz perfeita é que poderia ditar uma boa foto. O cão dava pequenas corridas em torno dos seus donos, demonstrando gratidão e alegria por aquele passeio ao final da manhã de Domingo.
Eles sentiam-se quase avós daquele cão, porque quem o adoptou havia sido o seu filho que lhe prestou cuidados e o treinou nos primeiros meses, mas depois eles é que passaram a cuidar do cão. O Charlie tinha uma enorme admiração pelo seu dono, como se fosse o seu pai adoptivo e não entendia como é que recebia tão pouca atenção. Para compensar aquela falta de afecto, eles procuravam passear com o cão sempre que possível. Os percursos apesar de variados eram já conhecidos do Charlie, o que lhe dava alguma confiança para circular nas imediações de casa. Uma vez, mal viu o portão de casa aberto o animal escapuliu-se de casa e desapareceu. Gostava de explorar as redondezas, mas invariavelmente ia sempre parar aos mesmos sítios por onde passeava com os seus avós adoptivos. Trazia uma coleira com uma medalha que continha dois números de telefone e o nome do cão. Os contactos telefónicos do casal gravados na medalha, foram muitas vezes úteis, porque sempre que o cão fugia de casa, ligavam para um dos números, por caridade ao cão perdido de pelo brilhante.
Aqueles passeios ao ar livre vinham quebrar a sensação de isolamento trazida pelo confinamento imposto pela pandemia. Ele sentia-se um palonço por não conviver mais com os amigos e por visitar a família de longe a longe. Sentia-se enganado pela pandemia, podendo até suspeitar de alguma demagogia na forma de tratamento de todo o processo durante aqueles dois anos já decorridos.

Veja também do mesmo autor:
https://tinta-permanente.blogspot.com

Um terço de maratona
12 de dezembro de 2021
8:05 PM 12-Dec-21
Havia ficado combinado de véspera com a sua filha para se levantarem cedo de manhã para a levar a si e à sua amiga as aulas de surf na praia de Matosinhos. Ele levantou-se cedo como habitualmente. Não importava se era dia de trabalho ou descanso. Gostava de se levantar sempre a mesma hora. Ainda dormiam todos lá em casa. Dirigiu se a cozinha e bebeu um copo de água morna com sumo de limão. Comeu um dente de alho enquanto bebia a água. Pegou telemóvel e consultou as redes sociais. Deu os parabéns aos aniversariantes do dia e consultou as notícias. A pandemia continuava a liderar as notícias.
O certificado digital de vacinação era a expressão mais consultada na internet. Havia passado a ser obrigatória a apresentação do certificado digital nos restaurantes e ginásios. Na passada segunda-feira viu-se, pela primeira vez, confrontado com a necessidade de apresentar o certificado digital de vacinação no restaurante. Os seus colegas apresentaram o certificado digital sem dificuldade. Ele ficou à porta para descarregar a aplicação para gerar o certificado digital. Um processo algo moroso, principalmente para quem se ia sentar à mesa com os seus pares.
Depois de ler as notícias e fazer algumas publicações, tomou o pequeno-almoço e foi passear o cão. Ainda não sabia se a sua filha acordaria a tempo de sair para a aula de surf com a sua amiga. Preparava-se para sair e cruzou-se com ela. Perguntou-lhe se dava tempo para ir à rua com o cão. Ela respondeu afirmativamente, mas teria que estar pronto para rumar em direcção à aula de surf as 10h45min. Como eram 10h15min, dava tempo para levar o cão à rua. O cão gostava imenso de dar aquele passeio matinal, para além de aliviar as suas necessidades. Seria necessário percorrer 20 quilómetros pela cidade adormecida naquele domingo de manhã. 20 quilómetros e vinte minutos necessários para chegar ao Oceano Atlântico. Percorreu a estrada que formava um anel em volta da cidade. Não havia trânsito pelo que o carro fluiu tranquilamente até ao destino. Assim que se aproximou da escola de surf, a sua filha e a amiga saltaram do carro com energia.
Pegaram nos sacos e seguiram a pé na direcção da escola. Ele foi a procura de um lugar para estacionar o carro. Afinal a manha não estava assim tão tranquila apesar de o inverno estar prestes a chegar. Depois de estacionar o carro, tirou a camisola e as calças. Ficou com equipamento para correr a beira-mar.
Enquanto a filha enfrentava as ondas bravas ele iria correr. Foi tomar um café para ganhar energia extra e regressou ao carro para se libertar da camisola interior. Apesar de estar um pouco frio, ele sabia que iria aquecer por dois motivos. Porque chegava o pico do calor que era possível naquela manhã enevoada, mas com sol forte e porque ao correr iria aquecer. Já no passeio a beira-mar, pode confirmar a forca das ondas do mar, a espuma e o salpicado de gotículas de água salgada que se espalhavam pela atmosfera.
Havia imensa gente a passear na areia. Alguns com os seus cães de companhia. Ele havia decidido não levar o seu patudo pois queria correr. Correr como o vento. Começou em ritmo lento para aquecer e foi ganhando velocidade.
Naquele pedaço de passeio havia mesmo muita gente a passear e tornava-se difícil de passar por entre as pessoas sem chocar e preservando a distância de segurança. a maioria circulava com máscara facial. Ele não conseguia correr com a máscara. Era possível distinguir cada perfume, tal como o cão fareja cada ponto. Perfumes cítricos, amadeirados ou simples odores da higiene matinal se espalhavam pelo ar. Ele tentava distinguir cada aroma enquanto se esgueirava por entre a multidão.
Passou pelo castelo do queijo e seguiu. Sentia-se bem para continuar. As ondas espumavam de raiva e batiam contra as pedras grandes na praia. Manteve ritmo pois corria para sul e talvez fosse ajudado pelo vento ligeiro. Só iria perceber a diferença no regresso pelo mesmo caminho. Mais à frente o fumo as castanhas assadas misturava-se com o nevoeiro que descia quase até ao chão. Terminava o passeio marítimo e entrava na foz do rio. Sentia-se bem e continuou a correr junto à beira rio, subindo em direcção a nascente.
Passou pelo Farol de São Miguel-O-Anjo e prosseguiu. O sol brilhava um pouco mais. Os ciclistas passavam por si a um ritmo mais apressado. Ele continuava a percorrer um quilómetro em 5 minutos.
Aquele era o ritmo que lhe proporcionava uma experiencia totalmente diferente de um passeio a pé, do passeio de bicicleta ou de carro. Correr permitia apreciar a paisagem ao tempo certo para interiorizar cada cena.
Ali se deu conta que passeavam alguns casais. Alguns de mão dada, outros apenas lado a lado e alguns ainda em que o homem vai a frente e a mulher segue os passos do companheiro.
Mas o que mais chamou a atenção eram aqueles casais em que pelo menos um deles seguia agarrado ao telemóvel a falar com o mundo exterior. Tinha ali a sua companheira a seu lado, mas era como se não existisse. Aquela cena tornou-se repetida pelo que lhe chamou cada vez mais a sua atenção. Falavam sorridentes para um mundo distante dali. Mas a felicidade não estava ao seu lado?
Já tinha corrido cerca de uma hora, pelo que decidiu regressar pelo mesmo caminho. Deveria chegar por hora que a aula de surf fosse dada por terminada. a passada abrandou ligeiramente para cerca de 10 quilómetros por hora, mas nada que lhe retirasse o fôlego. Viu muitas crianças a passear pela mão de um adulto. Lembrou-se que o programa de vacinação para as crianças dos 5 aos 11 anos estava prestes a ser implementado. A discussão estava aberta entre pais e pediatras. Longe de ser consensual, era afirmado que a vacinação as crianças não lhes seria prejudicial. O que estava em discussão era se era mesmo necessária a vacinação contra a COVID das crianças dos 5 aos 11 anos em Portugal.

Dias frios
Domingo, 28 de novembro de 2021
Os dias arrefeceram e a lareira passou a funcionar todos os dias. A lenha desaparecia a grande velocidade. Lá fora, a relva crescia a um ritmo bastante mais lento devido ao frio. Surgiu um novo montículo de terra. A toupeira ainda não havia desistido de se instalar naquele relvado verde cheio de raízes para comer. Ele não desistiu de a convencer a mudar de casa. O fim-de-semana havia chegado ao fim. Estava sentado no salão térreo num sofá pouco confortável de verga, porque o cão de 30 quilos havia ocupado por inteiro o sofá macio de dois lugares. Por vezes soltava suspiros. Provavelmente estaria a sonhar. Mas como os suspiros se transformaram em gemidos inquietantes, parecia que estava a chorar baixinho, ele levantou-se do sofá duro e foi afagar a sua cabeça. De imediato abriu os olhos e acalmou.
A salamandra continuava a debitar aquele calor agradável para um princípio de noite morrinhento e frio. Enquanto a madeira totalmente seca ardia sem soltar qualquer estalido próprio da humidade, a salamandra queixava-se de vez em quando da dilatação do metal emitindo espaçadamente alguns sons quase musicais.
Naquele dia recebeu a chamada da sua cunhada para combinarem a celebração da noite de Natal em família e na companhia da sua mãe e da sua avó centenária. Como a pandemia se prolongava e com mais uma nova variante, impunham-se todos os cuidados para proteger a família.
O cão continuava deliciado com o calor da salamandra e havia mudado a sua posição no sofá. Totalmente relaxado, esticado de barriga para o ar, cabeça a escorregar do sofá e patas da frente dobradas, lembravam que vida de cão também tem momentos bons. Nem sempre. As palpitações voltaram. Respirava aceleradamente de olhos fechados. Provavelmente estaria a ter um sonho com comida ou com uma cadela. Muito provavelmente seria com comida. Apesar de o animal ter uma dedicação total à família, o seu mundo gira em torno de comida.

Acordou cedo, apesar de estar em férias
Acordou cedo, apesar de estar em férias, tomou o pequeno-almoço, foi passear o cão e rumo em direcção à praia. Daquela vez seguiria sem o Charlie, pois apesar de ser uma companhia agradável e da maioria das pessoas lhe fazerem sempre uma festa na cabeça, ele gostava de ficar sentado na esplanada virado para o mar e o cão por vezes dava sinal de querer dar mais um passeio. Aqueles pequenos ímpetos do animal, cortavam o ritmo da leitura.
Aqueles momentos traziam-lhe boas recordações da sua juventude. Ainda era Primavera e já percorria 7 quilómetros desde casa dos seus pais até à pequena praia dos surfistas, a Praia Atlântico em Valadares. A época balnear ainda não havia iniciado mas os dias estavam abertos. O pequeno bar em madeira na zona alta das dunas estava abrigado a norte dos ventos fortes, tinha um pavimento em madeira. Encostava a sua bicicleta à parede em madeira virada a sul e sentava-se ao seu lado para folhear o pequeno livro que levava consigo. Falava de um pequeno anjo que estava encarregado de levantar as faltas humanas para as apresentar no dia final perante o divino tribunal, durante o julgamento anual da humanidade. Aquele anjo fazia parte de um grupo mais alargado de seres angélicos que haviam decidido viver entre os humanos. Aquela história fazia-o transportar para o reino da fantasia, muito embora tocasse a realidade dos humanos. Aquela leitura debaixo de sol macio capaz de dourar a pele, acompanhado pelo som das ondas do mar proporcionava momentos de puro prazer, apesar de ler pouco frequentemente.
Passadas duas horas, quando o sol se tornava intenso ao ponto de queimar a pele, regressava a casa, depois de enfiar o livro na mochila.
São recordações que permaneciam consigo durante décadas.
Regressado aquela sexta-feira de 2021, encontrava-se sentado numa mesa da esplanada frente à praia da Madalena, em cima de um pavimento em madeira. A manhã estava enevoada.
Às 10 da manhã o termómetro registava 23ºC e estava previsto subir até aos 27ºC. O nevoeiro não deixava perceber o calor do sol. As pessoas iam chegando para ocupar os lugares ainda vagos na esplanada.
Ainda se ressentia das pernas, nos músculos gémeos, depois de terem pedalado alguns quilómetros. Ele já não pedalava há algum tempo e apesar de correr regularmente, não impediu de ficar com dores nos gémeos. Só ao fim de alguns dias é que as dores começaram a atenuar.
Teria que continuar a treinar, pois ele e a sua mulher queriam percorrer o circuito da antiga linha ferroviária que liga Santa Comba Dão até Viseu, a ecopista do Dão com 49 quilómetros.
No dia anterior haviam conciliado o seu passeio com o cão. Assim decidiram rumar a norte até à praia onde os animais de companhia são admitidos, entre a Praia Suave Mar Norte e Cepães, em Esposende.
Chegados ao destino, tomaram um café num pequeno bar situado próximo da praia e no início do caminho a norte de Esposende. Pediram a direcção da praia e seguiram pelo caminho até ao sinal com um cão.
“Vamos à praia? Uma praia adaptada à sua mascote!” Dizia a placa informativa com as regras e as recomendações a observar.
Chegados ao areal perceberam que o nevoeiro ainda estava a levantar. Havia alguns cães a percorrer a praia junto aos seus donos. O areal era composto por uma faixa de seixos o que dificultava a chegada até à água se não fossem usados chinelos ou sandálias. O Charlie fartou-se correr à volta deles em sinal de agradecimento e como forma de demonstrar a sua alegria. Em seguida foi ter com um cão que transportava uma pequena bola na boca e que não dava sinais de a querer partilhar com outros cães. Ele percebeu de imediato que deveria ter levado um pequeno brinquedo para o seu cão. Mesmo assim o animal divertiu-se a fugir com o saco da tenda de praia. Ele mostrou um pau e atirou-o para longe à sua frente, pelo que desistiu do saco para ir em busca do novo brinquedo. O vento corria fraco e o nevoeiro estava levantado. Eram quase 3 da tarde, quando a sua filha deu sinais de fome. Decidiram voltar ao bar das Dunas para almoçar. Deixaram o guarda-sol e a tenda de praia, depois de terem recolhido as toalhas e os sacos de praia. O Charlie acompanhou-os e sentaram-se numa mesa na zona exterior ao bar, embora abrigada do vento e sol por estrutura em vidro. O cão deitou-se ao lado da mesa depois de beber um pouco de água, pois estava morto de cansaço e aquela era a sua hora para descansar. Mais tarde levantou-se para cumprimentar uma criança acompanhada pelos seus avós, que se sentaram na mesa ao lado. As festas na sua cabeça não terminavam e o cão sentia-se no melhor dos mundos.
Ele havia pedido um prego no pão que estava delicioso. A sua filha pediu uma saborosa tosta com queijo, por ele comprovada depois de a ter provado. A salada de frango da sua mulher estava igualmente apetitosa. Eram já 15h30 ainda saboreavam a refeição debaixo daquele alpendre, que estabelecia a separação do espaço interior do bar e a zona exterior ainda equipada com uma pequena fila de mesas, para quem quisesse efectivo ar livre debaixo de sol directo.
Para terminar ele comeu uma tarte de lima e a sua filha comeu um gofre feito de massa confeccionada com farinha, açúcar, manteiga, ovos e leite e prensada, com uma bola de gelado por cima. Depois dos cafés, regressaram à praia pelo caminho já conhecido. Passavam por uma zona de pinheiros mansos que conferiam sombras convidativas para dormitar em cima de uma rede. O caminho prosseguia para norte e era percorrido por várias bicicletas, o que dava a entender tratar-se de trilho que valia a pena descobrir.
Regressaram tarde a casa. O seu filho ainda não havia regressado das curtas férias com os seus amigos na quinta dos avós. Quando eles chegaram a casa, perceberam que a porta havia sido fechada à chave pela empregada. Provavelmente ele não tinha levado a chave de casa consigo e incrivelmente havia deixado o seu telemóvel em casa. Incrivelmente não. O seu filho estava ligado pelas redes sociais aos seus amigos, mas no dia da partida para a quita, havia deixado o telemóvel em casa. Quando ele já estava na estrada com o seu filho e dois amigos, ele lembrou-se que o telemóvel tinha ficado esquecido em casa. Ele explicou ao seu filho que não era assim tão grave esquecer o telemóvel em casa. Teria uma oportunidade para provar que seria capaz de sobreviver sem telemóvel. Ele registou o número de telemóvel dos seus dois amigos que seguiam no carro, pois assim teria sempre dois pontos de contacto com o seu filho. Chegados à quinta, já esperava por eles uma amiga debaixo de um pinheiro manso.
— Tiago, estás com uma camisa muito gira. – Disse ela em jeito de cumprimento.
Ele respondeu com um sorriso. Estavam ansiosos por se instalar na quinta que ficaria por sua conta pela primeira vez na vida. Ele não quis atrapalhar nem interferir naquilo que teria que depender da organização daquele pequeno grupo. Pediu para eles retirarem as malas, bebidas e comida. Lembrou que teriam que colocar os frescos no frigorífico e despediu-se depositando um beijo na face do filho. Desejou uma boa estadia e retirou-se. Logo à saída encontrou o pai do Ivo.
— Olá Mário, como vais? Eles já estão instalados por sua conta e risco. Terão que saber desenvencilhar-se.
— Sim, claro. – Respondeu o pai.
Seguiu caminho em direcção à auto-estrada, acompanhado pelos seus pensamentos. Será que ele ia dar conta do recado? O seu filho estava prestes a completar 17 anos, teria que aprender por sua conta. Teria que entender-se com os seus amigos. Ele sempre quis passar uns dias na quinta dos avós, com o seu grupo de amigos. Os pais foram protelando, até ao final dos exames. A partir daquele momento era inevitável. Era impossível recusar após meses de esforço de estudo.
Durante os dias da ausência do Tiago, aproveitaram a boa companhia da Maria. Compraram a sua própria bicicleta pela primeira vez. Ela tinha ficado sempre com as bicicletas do irmão. Andar de bicicleta era um gosto comum a toda a família. O último passeio havia durado 38 quilómetros e no regresso a puxar pelos pedais. A sua filha dava luta na pedalada e ele competia para a acompanhar. Dali as dores nos músculos das pernas. Mas a partir daquele momento, iriam procurar fazer saídas de bicicleta mais regulares. Havia pistas dedicadas às bicicletas que permitam percorrer paisagens ninfas à beira do rio ou nas serras, contudo sem penar para vencer grandes altitudes, pois parte das ciclovias estavam assentes em linhas antigas e desactivadas dos caminhos-de-ferro.
Eram 10 horas da noite

Eram 10 horas da noite. Tinha acabado de sair debaixo do chuveiro. Daquela vez havia demorado mais que o habitual, pois esteve as esfregar os pés manchados de verde, impregnados de clorofila. A relva acabada de cortar libertava tinta verde, que manchou a planta dos pés, tal ogre verde das florestas.
Durante o final da tarde, foi aparar as pontas do relvado que ultrapassavam todos os limites, cuidou de retirar algumas ervas daninhas, para depois proceder ao corte da relva. As ervas daninhas teimavam em reproduzir-se nos locais não desejados. Prejudicavam o crescimento da relva, sufocando-a, podiam abrigar insectos indesejados e competiam por nutrientes, luz e água. Por último aquele tapete verde de relva ficava pontuado por uma planta aqui, outra ali, que alteravam o aspecto visual. Muitas das vezes, as ervas daninhas desenvolviam-se mais rápido que a própria relva, o que se tornava numa competição qual impossível de vencer, quase fora do controlo. Ele havia declinado a possibilidade de usar herbicida, pois os animais de lá de casa corriam o risco de ficarem doentes. Preferia passar algum tempo a perseguir cada erva daninha, que muitas vezes estava dissimulada no relvado. No entanto havia uma zona em que eram mais as ervas daninhas de folha larga do que propriamente a relva, que se encontrava totalmente sufocada, por falta de luz.
Como havia rejeitado o controlo químico, passava boa parte do tempo a arrancar as ervas daninhas, munido de luvas de jardinagem e com a ajuda de um extractor manual. Por vezes as ervas daninhas tomavam proporções gigantescas, pois foram passando despercebidas de ano para ano. Ao arrancar a planta, dava-se conta do tamanho da raiz.
Para além dos estragos provocados pelas ervas daninhas, o cão costumava urinar, escolhendo sempre uma zona saudável e bonita do relvado. Porque é que ele não escolhia uma erva daninha? Podia também urinar na relva que também crescia fora do relvado, por entre os espaços dos paralelos. Tinha bom gosto, podia dizer-se, mas só se fosse para o próprio animal.
Sempre que ele via o cão a levantar a pata no meio do relvado, ele dava um grito como que para o assustar e demover de tal atitude, mas o animal não percebia e continuava relaxadamente a urinar sobre a relva. No dia seguinte aquele pedaço de relva que havia sido encharcado com urina de cão, começava a amarelecer até acabar por morrer. Assim, o relvado para além de contar com as ervas daninhas, tinha que levar com a urina de cão transformando-o num queijo suíço, cheio de buracos simbolizados pelos pedaços de relva amarela dispersos.
Durante o início da tarde não foi possível descer para fazer jardinagem, pois fazia um calor abafado, apesar de a temperatura ter subido até aos 22º. Por tal motivo, havia descansado um pouco, aproveitou para ler mais um pouco do livro que tinha em cima da mesa-de-cabeceira. De facto começava a chegar à conclusão que a leitura antes de adormecer não era nada produtiva, apenas servia para chamar o sono. Havia vários livros em suspenso. Deixou na mesa-de-cabeceira um livro de melhoramento pessoal, tendo lido cerca de 20%. Era interessante e apontava para vários aspectos do dia-a-dia, em que ele poderia melhorar, mas havia outros temas que lhe interessavam, pelo que aquele livro ficou a aguardar a sua vez para ser retomada a leitura.
Naquela manhã de sábado foram os dois passear com o cão como habitualmente, durante o fim-de-semana. Costumavam para numa pequena esplanada, onde o cão podia ficar ao lado dos donos tranquilamente. No entanto o Charlie gostava de cumprimentar todas as pessoas à sua volta. Começava a abanar a cauda e como que a sorrir, abrindo a sua boca e deixando cair a língua rosada, chamava a atenção das pessoas que estavam nas outras mesas. A sua pelagem preta e branca chamava a atenção, bem como o seu porte de 30 quilos. Por outro lado, era doido por comida. Cada migalha caída no chão à volta das mesas era motivo para puxar pela trela que estava presa à cadeira da sua mulher, para tentar chegar lá. Claro que as pessoas se tentavam a dar-lhe um pedaço de pão ou qualquer outro alimento que estivessem a comer. Mas a dieta do Charlie era quase perfeita de acordo com os conselhos dos veterinários. Só comia ração seca, o que lhe permitia manter um porte elegante e o pelo brilhante. Só quebrava o jejum de alimentos mais tentadores, quando eles estavam distraídos. Ainda naquele dia, estavam uns peitos de frango a descongelar em cima do balcão da cozinha. Ela perguntou se eram dois ou três peitos de frango. A embalagem mostrava um espaço vazio, dando a ideia que um pedaço de frango havia desaparecido misteriosamente. Por outro lado, sempre que o cão fugia para a rua, partia à procura de comida. Não importava que tido de comida fosse, apenas queria comida. Dirigia-se sempre a um abrigo de gatos onde havia ração para gatos e arroz cozinhado. Por vezes vomitava porque havia comido algo fora de prazo inclusivamente para cães.
excerto do novo romance de João Pires
PF envie o seu email para ser informado do seu lançamento.

As tecnologias irão tão longe quanto a sustentabilidade do planeta o permitir
As tecnologias irão tão longe quanto a sustentabilidade do planeta o permitir
Até há bem pouco tempo o presidente de um país democrático foi governando através Twitter, dado tratar-se de um meio chave para o debate político, embora no final tenha sido definitivamente expulso da plataforma por não cumprir as regras, designadamente por publicar declarações que incitavam à violência, ao ódio e ataques sucessivos às minorias.
Mas que tal tipo de governação possa acontecer é imprescindível que todos os cidadãos estejam ligados em rede, pois só é possível dirigir um país depois garantir meios para que os cidadãos recebam toda a informação.
Desde há muito tempo atrás que as notícias correm através da rádio e mais tarde através da televisão. Mas também circulam desde sempre através da imprensa, meio de comunicação secular. Todos estes meios de comunicação em massa têm uma característica em comum, tem apenas um emissor que transmite para muitos receptores, sem a possibilidade de retorno, ou pelo menos retorno restrito, o que dificulta o diálogo. Outras formas de comunicação sempre permitiram o diálogo, preferencialmente com dois intervenientes, como no caso do telegrafo, do telefona e da carta.
Com o surgimento da internet, nasceram novas possibilidades de comunicação, mais completas e rápidas. Passou a ser possível partilhar conteúdos, como imagem, áudio e vídeo. Aqui passou a ser possível dialogar em larga escala.
As novas tecnologias estão em crescimento e irão liderar o mundo para ditar as suas regras através dos novos meios de comunicação, tendo como moeda de troca a obtenção de informação de cada utilizador, passando a ser possível conhecer cada cidadão com detalhe nunca imaginado.
As redes sociais conseguem adivinhar aquilo que cada utilizador pensa em cada momento. Quando uma empresa oferece uma conta de correio electrónico, oferece uma aplicação app, oferece qualquer outro produto ou serviço digital, pede apenas em troca os dados pessoais do utilizador, o acesso aos contactos e fotos pessoais, bem como ao acesso de outros registos informáticos aparentemente menos importantes. O que o utilizador não imagina é que está a vender a sua alma, ou pelo menos um pedaço da sua própria vida pessoal ao progresso.
Apesar da aplicação (app) StayAway Covid pretender identificar potenciais exposições a pessoas infectadas com Covid-19 levantou várias questões éticas. Claro que a utilização da app é voluntária, gratuita e anónima, com a justificação de ferramenta complementar para conter a expansão da pandemia de Covid-19. 1,8 milhões de utilizadores desistiram e já desinstalaram a app porque não é fiável. Tal atitude mostra que os utilizadores não ficam dependentes das app quando estas deixam apresentam falhas, mesmo que fossem uma promessa para defender da Covid. Na verdade, tudo isto não de passou de mais uma moda. As tecnologias irão tão longe quanto a sustentabilidade do planeta o permitir
Até há bem pouco tempo o presidente de um país democrático foi governando através Twitter, dado tratar-se de um meio chave para o debate político, embora no final tenha sido definitivamente expulso da plataforma por não cumprir as regras, designadamente por publicar declarações que incitavam à violência, ao ódio e ataques sucessivos às minorias.
Mas que tal tipo de governação possa acontecer é imprescindível que todos os cidadãos estejam ligados em rede, pois só é possível dirigir um país depois garantir meios para que os cidadãos recebam toda a informação.
Desde há muito tempo atrás que as notícias correm através da rádio e mais tarde através da televisão. Mas também circulam desde sempre através da imprensa, meio de comunicação secular. Todos estes meios de comunicação em massa têm uma característica em comum, tem apenas um emissor que transmite para muitos receptores, sem a possibilidade de retorno, ou pelo menos retorno restrito, o que dificulta o diálogo. Outras formas de comunicação sempre permitiram o diálogo, preferencialmente com dois intervenientes, como no caso do telegrafo, do telefona e da carta.
Com o surgimento da internet, nasceram novas possibilidades de comunicação, mais completas e rápidas. Passou a ser possível partilhar conteúdos, como imagem, áudio e vídeo. Aqui passou a ser possível dialogar em larga escala.
As novas tecnologias estão em crescimento e irão liderar o mundo para ditar as suas regras através dos novos meios de comunicação, tendo como moeda de troca a obtenção de informação de cada utilizador, passando a ser possível conhecer cada cidadão com detalhe nunca imaginado.
As redes sociais conseguem adivinhar aquilo que cada utilizador pensa em cada momento. Quando uma empresa oferece uma conta de correio electrónico, oferece uma aplicação app, oferece qualquer outro produto ou serviço digital, pede apenas em troca os dados pessoais do utilizador, o acesso aos contactos e fotos pessoais, bem como ao acesso de outros registos informáticos aparentemente menos importantes. O que o utilizador não imagina é que está a vender a sua alma, ou pelo menos um pedaço da sua própria vida pessoal ao progresso.
Apesar da aplicação (app) StayAway Covid pretender identificar potenciais exposições a pessoas infectadas com Covid-19 levantou várias questões éticas. Claro que a utilização da app é voluntária, gratuita e anónima, com a justificação de ferramenta complementar para conter a expansão da pandemia de Covid-19. 1,8 milhões de utilizadores desistiram e já desinstalaram a app porque não é fiável. Tal atitude mostra que os utilizadores não ficam dependentes das app quando estas deixam apresentam falhas, mesmo que fossem uma promessa para defender da Covid. Na verdade, tudo isto não de passou de mais uma moda.
No outro dia o meu telemóvel caiu à água, mas não fiquei impaciente nem desesperei. Simplesmente retirei o cartão SIM do operador telefónico, retirei o cartão de memória, desliguei o telemóvel e coloquei dentro de um saco com arroz. Sim o arroz tem essa capacidade fantástica de absorver pelo menos uma parte da humidade que fica retida dentro do telemóvel. Depois basta esperar que regresse à vida. Impossível retirar a água com o secador de cabelo ou qualquer outro meio invasivo. Dessa forma só danifica ainda mais o ecrã e a placa, pois vai pulverizar a humidade por todo o aparelho.
Depois inseri o cartão SIM num telefone com teclas. Claro que não fiquei isolado do mundo virtual, pois isso hoje em dia é quase impossível. Ligado ao mundo através do computador e do tablet é suficiente, dado que em período de confinamento, a maior parte do tempo é passada em casa.
Escrevo este texto que já vai longo e arrisco-me que seja lido até à terceira linha, pois as redes sociais não são amigas de textos tão completos. Este texto será publicado nos outros suportes para que possa sobreviver. No fundo, é o gosto pela escrita que comanda e que dá vida a estas palavras.
As redes sociais foram criadas para proporcionar entretenimento. Ao utilizador cabe desfrutar desse novo mundo, sem despertar o verdadeiro sentido crítico, apenas pequenos ódios ou ondas de solidariedade que parecem atravessar o planeta.
Estas plataformas de muito entretenimento e pouca comunicação foram evoluindo no sentido de fazer deslizar o ecrã táctil cada vez mais depressa, com a ajuda do dedo indicador – futuramente será deslizado com o simples olhar – sem que haja tempo para reflectir sobre aquilo que estamos a ver e menos tempo ainda para ler linhas como estas. Já dá muito trabalho fazer um GOSTO ou deixar um emoji.
No início das redes sociais o objectivo era claro: partilha de conteúdos como imagens, pequenos textos e vídeos.
Com o crescimento das redes sociais veio a publicidade. Enquanto está a ler este artigo é provável que tenha visto algum anúncio ou publicação patrocinada. O autor destas humildes linhas acredita que este texto terá a relevância que os leitores quiserem dar.
A probabilidade de este humilde texto ser partilhado pelo caro leitor é diminuta.
Os dispositivos móveis como os tablets e os telemóveis, os computadores de secretária, os computadores portáteis, os automóveis e outros tantos equipamentos de grande utilidade para a raça humana dependem da energia externa, de combustíveis fósseis ou energias renováveis. Mas sempre energia externa a si mesmos.
Os equipamentos electrónicos portáteis utilizam baterias recarregáveis de lítio, que por sua vez dependem da extracção desse metal não renovável. Assim todo este progresso está assente em tecnologias dependem de recursos não renováveis. A procura incessante de poupança de energia mostra essa preocupação com equipamentos mais eficientes, com ecrãs de fundo negro (voltamos ao início) e outras medidas.
Ninguém previa uma pandemia desta magnitude. Apesar de sabermos que estas crises são cíclicas ninguém saberá até onde ir. As redes sociais e os outros meios de comunicação online vieram ajudar a quebrar o isolamento em tempos de confinamento. Mas o negócio online também cresceu pelo facto de os confinados passaram mais horas frente aos ecrãs.
Imagine-se viver esta pandemia sem internet nem redes sociais.
Este pensamento nunca teria saído da gaveta nem chegaria a lado algum, mas estas tecnologias irão tão longe quanto a sustentabilidade do planeta o permitir.
16 janeiro 2021
João Pires