A presenciar a 3ª sessão do Letras ao Sábado, iniciativa do Centro Cultural de Rio Tinto, esteve o autor João Pires com o seu novo romance: Amar em Bagos Douro.
De plateia e corações cheios, a apresentação realizou-se na tarde de 13 de janeiro de 2018 no Auditório Condomínio das Artes.
O evento, moderado pela Chefe da Divisão da Cultura, Teresa Couceiro, a cada 2º sábado do mês, pretende enaltecer os novos escritores e os seus livros, de forma a que a arte literária seja partilhada e divulgada entre a comunidade.
Assim, Amar em Bagos Douro convida-nos a deambular pé a pé com duas personagens que partilham a paixão entre si e pela cidade do Porto.
João Pires enveredou pelas artes da escrita por mera inspiração conseguida através da leitura dos clássicos portugueses. Daí decidira arriscar-se e descobrira um enorme prazer na passagem das palavras ao papel.
Agora expõe o seu romance contemporâneo, mas também se interessa pela poesia, tendo realizado um curso de escrita criativa e criado o seu próprio blogue, intitulado Tinta Permanente (https://tinta-permanente.blogspot.com).
“Porque um livro não é uma corrida”, nas palavras do autor, João Pires completou-o ao fim de três anos de estudo e envolvência com a região nortenha, com os seus rios, quintas, vinhos, e todos os pecúlios que tão bem caracterizam o nosso Porto e Norte de Portugal.
Amar em Bagos Douro “é precisamente um desafio na escrita” ao tomar a abordagem curiosa de se qualificar num romance-turístico: o leitor é convidado a visitar os locais ao lado das personagens que lá vivem a história, permitindo-lhe adquirir um novo olhar e apaixonar-se de novo pela cidade Invicta.
O escritor afirma que a narrativa “tem capacidade para vir a ser traduzida para outras línguas” e garante que quem não conhece o território fica curioso para o visitar, tendo já leitores de outros pontos do país que terminaram o romance e planeiam vivenciar a cidade portuense.
Texto original de: Nadine Santos Press Release and Photography Nós Aqui – Gondomar Informação 13 de janeiro de 2018
(…) aos turistas mais do que os pontos obrigatórios – responde Inês. É uma forma de dar a conhecer a cidade através dos olhos de quem vive nela continuou Inês. São pessoas de diferentes faixas etárias e formações em arquitectura, história, música, artes, pintura, fotografia, entre outras, que se dedicam a mostrar a cidade a quem vem de fora. Continuaram a passear pelos jardins do Palácio, apreciando as magníficas panorâmicas sobre o rio e sobre a cidade, que os miradouros espalhados em posições estratégicas oferecem.
Entretanto o sol desaparece no horizonte e resta um azul forte no céu, casado com o laranja vívido do crepúsculo, enquadrado pela ponte da Arrábida.
– Gostas de mim? – Perguntou Inês. – Claro que sim. Amo-te do fundo do meu coração – respondeu, segurando-lhe nas mãos. Aquela paisagem completava o cenário de romance. Trocavam olhares apaixonados. Henrique beijou-a com total arrebatamento. Abraçou-a de forma terna. Inês pousou a sua cabeça no ombro de Henrique e apreciaram aquele momento de final de tarde. Henrique pegou na pétala de uma flor e deslizou suavemente pelo pescoço de Inês. Ela soltou um breve sorriso.
– Estás a fazer-me cócegas – disse, sentindo arrepios.
excerto do livro AMAR EM BAGOS DOURO de João Pires
Tinham terminado duas partidas de bisca,, tendo como grande entusiasta a filha que gostava imenso de jogar às cartas com os pais. O cão estava deitado ao lado da mesa de jogo, como que a fazer companhia. Tinha um olhar relaxado e satisfeito. Satisfeito porque havia enganado os seus donos com direito a repetir a sua dose de ração seca. Ele havia descido as escadas e tinha deitado no prato a porção de ração correspondente ao seu jantar. Mas a sua mulher desceu as escadas em seguida e voltou a deitar comida no prato do cão. O animal sentiu-se afortunado, porque tinha recebido nova dose de ração com sabor a salmão. Relaxado porque antes do jantar haviam dado um passeio junto ao rio com o cão. Há muito que não desciam ao rio na companhia do animal. Por vezes davam uma volta ao quarteirão, apenas para fazer as necessidades básicas para além de cheirar todos os pontos por onde passava. No passeio pedonal, passeava ao lado dos donos, que se sentiam seus avós, pois o filho é que havia adoptado aquele cão. Quando o cão foi para aquela família tinha apenas 4 meses e tinha um olhar vago, perdido e até triste. A sua mulher tinha uma enorme curiosidade em saber de onde tinha vindo aquele cão. A associação de acolhimento de animais, apenas informou que o cão havia sido encontrado perdido no meio da estrada. No entanto o cão já trazia nome. Charlie era um cão cheio de energia quando foi adoptado e escolheu o filho como mentor.
No início o filho ensinou bastantes truques e comportamentos. Mas com 4 meses o cão apenas queria brincar, destruir tudo à sua volta com os seus pequenos e afiados dentes. Uma vez mordeu a coxa dele, tendo esburacado as calças do seu fato. Ele ficou furioso e pensou que nunca havia pedido um cão nem queria suportar todas aquelas diabruras. Afinal, tinha sido o seu filho que havia prometido tomar conta do cão. Porém, passado algum tempo, todas as tarefas relacionadas com o cão como passear, dar comida, escovar o pêlo, levar ao veterinário e brincar um pouco com ele haviam sido passadas para o casal e para a filha que havia começado a dar-lhe um pouco de atenção. Talvez o cão sentisse falta daquele rapaz que pegou nele ao colo quando o viu pela primeira vez. O animal continuava a obedecer-lhe e ficava sempre à espera de receber uma instrução do seu dono, mas nunca perdia a esperança, mesmo que fosse por ele ignorado. Talvez fosse essa a sua característica mais marcante, talvez comum a tantos outros cães, Charlie nunca perdia a esperança. Os seus pequenos olhos vibravam sempre que algo o estimulava. Se fosse uma pequena brincadeira ao final do dia, altura em que se encontrava mais activo, então os seus olhos chegavam a brilhar, até faiscar de alegria. Era uma diferença absoluta em comparação com aquele olhar vago do início. Parecia que o cão se tinha ligado aquela família, conhecia todos os hábitos, sabia quando era momento para sair à rua e sabia também aceitar a saída dos donos sem o levar à rua. Conseguia interagir até ao limite das suas capacidades.
Por vezes ele ia para o escritório escrever e o cão trocava uma tarde de sol no jardim pela companhia do seu dono, deitando-se no sofá. Gostava particularmente de dormir a sesta a seguir ao período de almoço, deitava-se no escritório ou ao cimo das escadas, em cima de um tapete cinzento de pêlo macio e fofo. Escolhia sempre os locais mais estratégicos para perceber quando é que os donos iam sair para tentar a sua sorte num passeio. Outras vezes quando o calor apertava, procurava uma zona fresca da casa para descansar. Tinha que ter sempre água fresca à sua disposição, pois aquele cão tinha uma pelagem densa e lisa, que apesar de não ser volumosa, lhe provocava muito calor. Por aquela razão, sempre que o animal saía à rua no pico do calor, sofria um pouco com o calor e começava a arrastar-se, apesar de não recusar dar um passeio. Com o surgimento da pandemia, os cães também eram vistos como potenciais transmissores do vírus através das suas patas, o que caiu em descrédito passado algum tempo. Os autotestes serviam para testar os clientes à entrada dos restaurantes e hotéis. Aquela medida governamental havia deixado uma boa parte da população incrédula e dividida, porque a eficácia do teste não estava garantida. As salas dos restaurantes estavam vazias e as esplanadas aumentavam a sua área de atendimento. Os bares andavam pelas ruas da amargura e alguns corriam o risco de não abrir para sempre. A música, os amigos, convívio, o álcool, a sedução, a magia das luzes e o encanto da noite poderiam demorar a voltar.
Um dia que tal acontecesse, poderia ser noutros moldes, sem voltar aos tempos anteriores à pandemia, o que significava mais um sinal de mudança profunda na vida das pessoas. Os seus filhos provavelmente não iriam conhecer bares e discotecas tal como funcionaram até 2019. Principalmente o filho mais velho, sentia-se preso, não tinha a mobilidade e o convívio necessário com os seus amigos. O verão corria há três semanas e os turistas pareciam fugir das praias e refugiar-se nas montanhas, nos lagos, albufeiras e rios. As praias ameaçavam tornarem-se sobrelotadas. Mas a adrenalina também podia ser alcançada de forma inesperada. No Domingo passado ele e o seu filho haviam ficado em casa, porque o filho continuava a estudar, daquela vez para o exame de Biologia. Nem sempre tinha vontade para estudar. A mãe e a filha tinham ido passar o dia na natureza. Havia um almoço ao ar livre para comemorar um aniversário. O seu filho também queria ter ido à festa, mas o estudo forçou-o a quedar-se por casa. O seu pai fez-lhe companhia e aproveitou para colocar a leitura em dia. Por outro lado, não se sentia confortável numa festa com 30 pessoas em pleno período de pandemia. Ainda só tinha a primeira dose da vacina e nada era garantido. Claro que algum dia as pessoas teriam que voltar a conviver, pois faz parte da condição humana, maioritariamente em espaços abertos e com alguns cuidados que antes da pandemia nunca existiram.
Eram 10 horas da noite. Tinha acabado de sair debaixo do chuveiro. Daquela vez havia demorado mais que o habitual, pois esteve as esfregar os pés manchados de verde, impregnados de clorofila. A relva acabada de cortar libertava tinta verde, que manchou a planta dos pés, tal ogre verde das florestas.
Durante o final da tarde, foi aparar as pontas do relvado que ultrapassavam todos os limites, cuidou de retirar algumas ervas daninhas, para depois proceder ao corte da relva. As ervas daninhas teimavam em reproduzir-se nos locais não desejados. Prejudicavam o crescimento da relva, sufocando-a, podiam abrigar insectos indesejados e competiam por nutrientes, luz e água. Por último aquele tapete verde de relva ficava pontuado por uma planta aqui, outra ali, que alteravam o aspecto visual. Muitas das vezes, as ervas daninhas desenvolviam-se mais rápido que a própria relva, o que se tornava numa competição qual impossível de vencer, quase fora do controlo. Ele havia declinado a possibilidade de usar herbicida, pois os animais de lá de casa corriam o risco de ficarem doentes. Preferia passar algum tempo a perseguir cada erva daninha, que muitas vezes estava dissimulada no relvado. No entanto havia uma zona em que eram mais as ervas daninhas de folha larga do que propriamente a relva, que se encontrava totalmente sufocada, por falta de luz.
Como havia rejeitado o controlo químico, passava boa parte do tempo a arrancar as ervas daninhas, munido de luvas de jardinagem e com a ajuda de um extractor manual. Por vezes as ervas daninhas tomavam proporções gigantescas, pois foram passando despercebidas de ano para ano. Ao arrancar a planta, dava-se conta do tamanho da raiz.
Para além dos estragos provocados pelas ervas daninhas, o cão costumava urinar, escolhendo sempre uma zona saudável e bonita do relvado. Porque é que ele não escolhia uma erva daninha? Podia também urinar na relva que também crescia fora do relvado, por entre os espaços dos paralelos. Tinha bom gosto, podia dizer-se, mas só se fosse para o próprio animal.
Sempre que ele via o cão a levantar a pata no meio do relvado, ele dava um grito como que para o assustar e demover de tal atitude, mas o animal não percebia e continuava relaxadamente a urinar sobre a relva. No dia seguinte aquele pedaço de relva que havia sido encharcado com urina de cão, começava a amarelecer até acabar por morrer. Assim, o relvado para além de contar com as ervas daninhas, tinha que levar com a urina de cão transformando-o num queijo suíço, cheio de buracos simbolizados pelos pedaços de relva amarela dispersos.
Durante o início da tarde não foi possível descer para fazer jardinagem, pois fazia um calor abafado, apesar de a temperatura ter subido até aos 22º. Por tal motivo, havia descansado um pouco, aproveitou para ler mais um pouco do livro que tinha em cima da mesa-de-cabeceira. De facto começava a chegar à conclusão que a leitura antes de adormecer não era nada produtiva, apenas servia para chamar o sono. Havia vários livros em suspenso. Deixou na mesa-de-cabeceira um livro de melhoramento pessoal, tendo lido cerca de 20%. Era interessante e apontava para vários aspectos do dia-a-dia, em que ele poderia melhorar, mas havia outros temas que lhe interessavam, pelo que aquele livro ficou a aguardar a sua vez para ser retomada a leitura.
Naquela manhã de sábado foram os dois passear com o cão como habitualmente, durante o fim-de-semana. Costumavam para numa pequena esplanada, onde o cão podia ficar ao lado dos donos tranquilamente. No entanto o Charlie gostava de cumprimentar todas as pessoas à sua volta. Começava a abanar a cauda e como que a sorrir, abrindo a sua boca e deixando cair a língua rosada, chamava a atenção das pessoas que estavam nas outras mesas. A sua pelagem preta e branca chamava a atenção, bem como o seu porte de 30 quilos. Por outro lado, era doido por comida. Cada migalha caída no chão à volta das mesas era motivo para puxar pela trela que estava presa à cadeira da sua mulher, para tentar chegar lá. Claro que as pessoas se tentavam a dar-lhe um pedaço de pão ou qualquer outro alimento que estivessem a comer. Mas a dieta do Charlie era quase perfeita de acordo com os conselhos dos veterinários. Só comia ração seca, o que lhe permitia manter um porte elegante e o pelo brilhante. Só quebrava o jejum de alimentos mais tentadores, quando eles estavam distraídos. Ainda naquele dia, estavam uns peitos de frango a descongelar em cima do balcão da cozinha. Ela perguntou se eram dois ou três peitos de frango. A embalagem mostrava um espaço vazio, dando a ideia que um pedaço de frango havia desaparecido misteriosamente. Por outro lado, sempre que o cão fugia para a rua, partia à procura de comida. Não importava que tido de comida fosse, apenas queria comida. Dirigia-se sempre a um abrigo de gatos onde havia ração para gatos e arroz cozinhado. Por vezes vomitava porque havia comido algo fora de prazo inclusivamente para cães.
excerto do novo romance de João Pires
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